Wilhelm Reich e o conceito de potência orgástica
Wilhelm Reich, cuja vida e obra são o marco fundador da Psicologia Somática, em seu livro A Função do Orgasmo, apresentou à sociedade científica o conceito de potência orgástica.
Antes disso, somente impotência eretiva, frigidez, anorgasmo ou ninfomania eram considerados disfunções sexuais. Com a concepção da potência orgástica, Reich mostra que mesmo havendo orgasmo pode haver disfunção sexual. Há diferentes níveis ou intensidades de orgasmo e muitos orgasmos não são plenos.
A potência orgástica está diretamente relacionada à capacidade de entrega amorosa. Orgasmo pleno é sinônimo de amar plenamente.
Evocamos essas concepções reichianas com o intuito de mostrar como o machismo rouba dos homens a possibilidade de satisfação plena, impedindo que o homem machista seja orgasticamente potente e, em paralelo, dando demasiado valor à potência masculina. Isso coloca o homem na situação de “cachorro que corre atrás do próprio rabo”, ou seja, buscando desesperadamente o que é impossível alcançar e fechado em si mesmo nessa inconsciência.
O machismo age desde cedo sobre a capacidade do homem sensibilizar-se, entregar-se ao descontrole de suas emoções amorosas, bloqueando o caminho para o orgasmo pleno. Os homens confundem ejaculação com orgasmo e são inconscientes dessa condição de meros ejaculadores. O orgasmo pleno não é uma sensação apenas peniana. O orgasmo pleno toma conta de todo corpo e o submete a poderosas vibrações energéticas, movimentos involuntários e descontrolados, capazes de proporcionar prazeres e emoções dificilmente mensuráveis.
O segmento pélvico dos homens é visivelmente encouraçado – resposta coletiva à opressão do machismo sobre os homens, um dos elementos da repressão sexual moralista – os homens são socialmente castrados de expressar todos os movimentos pélvicos que promovam abertura das nádegas e maior exposição do ânus. Como se houvesse um trauma coletivo ocasionado pelo medo de ser penetrado ‘por trás’ a qualquer instante. A postura geral do homem é de ‘ânus para dentro’. Não admira que também seja epidêmico entre os homens, quando envelhecem, o câncer de próstata, glândula que se localiza na região onde fica estagnada a energia sexual devido a cronicidade dessa postura. O “rebolado” do quadril, consequência natural do modo como o ser humano caminha, é contido no homem adulto.
A liberdade de movimentos do segmento pélvico é fundamental para uma sexualidade sadia. Quanto mais encouraçado for esse segmento, menor a capacidade orgástica do homem.
Também é visível a contenção dos segmentos cervical e torácico nos homens em geral. Os pescoços são duros, os ombros são inexpressivos, cotovelos e pulsos são contidos.
O homem não “desmunheca”. Isso retira uma infinidade de possibilidades expressivas que surgem de movimentos de “quebra” do pescoço, dos ombros, cotovelos e pulsos, de abandono ao próprio peso da cabeça, dos braços ou das mãos. Instaura também uma tensão crônica, uma “força a mais” sempre necessária para manter as mãos sustentadas, os braços armados, a cabeça fixa. Os segmentos cervical e torácico-escapular são a sede dos sentimentos. A livre expressão desses segmentos é fundamental para uma sexualidade sadia e também está relacionada à capacidade orgástica.
A contenção cotidiana dessa expressividade instaura nos homens a incapacidade crônica de viver orgasmos plenos, por conseguinte uma insatisfação também crônica. Por isso há tantos homens insatisfeitos mesmo “comendo” muito, presos num círculo vicioso onde quanto mais “comem”, menos se sentem satisfeitos, permanecendo desnutridos. Essa insatisfação crônica também pode ser uma das gêneses da violência sexual patológica de alguns homens.
Os movimentos do “homem-comedor” clássico, aquele dos filmes pornográficos, são de alguém que mexe os quadris num ritmo constante e unidirecional (para frente e para trás) enquanto mantém o pescoço e os ombros duros, imóveis. O “orgasmo” dos homens de filme pornográfico é tão controlado que na imensa maioria dos roteiros desses filmes cabe ao homem se segurar para ejacular no rosto da mulher. Interessante analisar que à mulher é permitido, esperado e incentivado que se descontrole. Basta ver o quanto gemem as mulheres comparado aos homens nas relações de filme pornográfico. Em geral, essas são falsas manifestações, fingimentos de orgasmo, mas caso ela queira entregar-se ao descontrole de um orgasmo não será interrompida. O homem será! Inclusive é praxe que ele assine um contrato garantindo que fornecerá uma ejaculação visível aos produtores do filme. Essa importância dada à ejaculação se explica por ser ela, em meio a tanta falsidade, a única prova material de que algum orgasmo aconteceu.
O conceito de potência orgástica, sua distinção das potências eretiva e ejaculatória, faz cair por terra a farsa pornográfica, a concepção de que nesse modelo há sexo sem preconceito, quando na verdade há falta quase absoluta de espontaneidade, prazer e potência orgástica. A única prova material de que há algum tipo de prazer sexual nesse modelo se torna falsa quando percebemos que os homens, mesmo ejaculando, tem orgasmos tão falsos quanto aqueles das mulheres que fingem tê-lo. Por fim se revela o ponto que buscamos com insistência: à mulher cabe ao menos a possibilidade de saber que está fingindo enquanto ao homem resta a ilusão de achar que isso é orgasmo.
Nesse momento vale muito trazer as impressões de um dos principais roteiristas da Europa, Jean-Claude Carrière, em seu livro A linguagem secreta do cinema[tradução Fernando Albagli, Benjamim Albagli – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995]. Ele, em um capítulo entitulado “A realidade em fuga”, em determinado ponto (pág. 83 a 85) fala sobre o sexo (não se refere aos filmes pornográficos) apresentado pelo cinema, como as cenas são falsas e idealizadas:
«Os resultados são quase sempre deploráveis e notavelmente pouco convincentes. Nas cenas supostamente suaves (ou “eróticas”, para distingui-las da verdadeira pornografia), onde o membro masculino não é mostrado em plena ereção, a penetração (fora de cena) é sempre efetuada com incrível facilidade, aparentemente sem que ambos tirem as calças, sem uma olhadela para baixo ou uma mão tateando para ajudar, sem um segundo de hesitação. Além disso, o êxtase ocorre para os parceiros após meramente uma dúzia de estocadas precisas. Neste caso também, como no dos táxis e telefones, a ênfase é na pressa. Assim, os filmes de hoje são um monte de ejaculações precoces, a não ser que, como no teatro, estas representem uma experiência em estilo, em sugestão. Mas neste caso, para que chegar às vias de fato? Todos sabem que as imagens mais fortemente eróticas, do tipo que encontramos ocasionalmente no cinema ou em qualquer outro lugar, muito frequentemente provém da estimulação, da sugestão, da promessa no lugar do desempenho. Então por que essa mania de mostrar sexo malfeito?»
Na sequência ele fala dos filmes pornográficos, tratando-os como a pior parte dessa falsidade porque eles supostamente apresentam sexo livre, desprovido de moral:
E tampouco é mais convincente a demonstração nos filmes pornográficos. Nestes, a representação do ato de amor é na verdade ainda menos honesta, por parecer mais real. Eles certamente parecem estar fazendo amor selvagem e desinibido nestes filmes, e em todas as posições concebíveis. Tudo o que fazem na verdade é isso: um órgão penetrar no outro, o orgasmo visível [aqui ele tenta fazer a primeira distinção entre tipos diferentes de orgasmo]. O do homem pelo menos; sua visibilidade faz parte até do contrato do ator, com a ejaculação acontecendo na tela, fartamente iluminada, sem qualquer receptáculo à vista, para provar que o prazer do homem não foi simulado. Daí a estranha mania de coitus interruptus [toca na essência das questões que trabalhamos] por parte de machos da pesada, que ejaculam fora das parceiras.
Mas eles ejaculam, sim. Eu vi, não posso negar, e São Tomé concordaria comigo (adicionando seus próprios gritos escandalizados). Talvez estes não sejam orgasmo s ideias [aqui a segunda tentativa de distinção entre orgasmos de tipo diferente], mas não tenho nada a ver com isso.
Para a mulher, por outro lado, a mentira é total. Fingir é a palavra de ordem. (…) Tudo, dos gemidos aos desmaios, é completamente falso. Isto dá um mau exemplo, não por tolas razões morais (que não são da minha conta), mas simplesmente porque essa mentira específica poderia levar casais desinformados a acreditarem que as coisas acontecem e devem acontecer desta forma, resultando numa noção de amor totalmente equivocada [grifo meu].
Em Nova York, nos anos 60, estive presente à realização de um filme pornográfico. Havia um homem e duas mulheres numa casa em Greenwich Village. Uma equipe reduzida. Um diretor e um operador de câmera. Passei dez minutos sentado numa cadeira, educadamente, observando tudo. Percebia-se logo o tom ordinário, melancolicamente profissional, banal:
– Vire-se um pouco assim, Lisa… Sim, mais um pouco… Levante este joelho alguns centímetros… Ok, mais um pouco…
Onde está o prazer nisto? Ninguém falou de amor – mas prazer?
Nesse dia pensei numa observação de André Breton, na qual ele definia o erotismo como “uma suntuosa cerimônia numa passagem subterrânea”.
Esse tipo de filme nos engana. O que nos lega de cerimônia, de sensualidade, de sombrio subterfúgio?
E quanto ao realismo? O orgasmo sob medida da mulher é obviamente um embuste; além disso, o orgasmo masculino não acontece tão facilmente quanto se crê, apesar das aparências [aqui a terceira tentativa de distinção]. Na verdade, tudo, nesta repetitiva e estupidamente previsível sequência de rotinas ensaiadas, é cortado, emendado e editado [grifo meu – diz respeito exato ao tipo de orgasmo do homem], como se faz para um filme. A continuidade essencial ao amor desaparece.”
Em sua crítica bem elaborada e precisa sobre o sexo retratado no cinema e principalmente o sexo pornográfico, auxiliaria muito a Carrièrre o conceito de potência orgástica. Ele aborda esse conceito o tempo todo em sua narrativa, estabelece distinções entre ejaculação e orgasmo, mas não com precisão. De certa forma, os trata como sinônimos – “Mas eles ejaculam, sim. Eu vi não posso negar” – e, ao fazê-lo, já o faz questionando a qualidade dessa associação – “Talvez não sejam orgasmos ideiais”. O mesmo se percebe quando ele chama a ejaculação que aparece nesses filmes de “orgasmo visível” – somente para que o outro veja, não verdadeiramente sentido, longe de ser um ato de amor, entrega e prazer. Ou quando conclui: “E quanto ao realismo? O orgasmo sob medida da mulher é obviamente um embuste; além disso o orgasmo masculino não acontece tão facilmente quanto se crê, apesar das aparências”.
A partir da constatação dessa associação entre modelo de comportamento sexual pornográfico e impotência orgástica, percebemos que o caminho para retomada da potência orgástica está no homem que se desmancha na mulher, se mistura a ela, promove além do contato pélvico o contato torácico, pulsa em baixo e em cima, entrega-se ao amor, ao descontrole de suas emoções e de seu orgasmo.
O reflexo do orgasmo é um fenômeno orgânico de ondulações verticais que promovem uma conexão harmônica entre os segmentos pélvico e torácico. Uma consequência da criação machista é a contenção da expressão corporal tanto de um quanto de outro segmento.
O problema não está só no fato da imensa maioria dos homens não viver a plenitude de sua sexualidade. O que assusta é o fato de se encontrarem inconscientes disso e incapazes de modificar essa situação.
Com estes escritos quero atingir a fundação desse alicerce – a “virilidade” machista, que continua a esconder suas impotências e ejaculações precoces à base de Viagra, fugindo da conscientização dos reais motivos que geram essa situação.
É fundamental trazer a concepção reichiana de que a impotência orgástica gera o desejo de poder como compensação para falta de desejo de potência. A impotência orgástica é o solo fértil onde a ideologia capitalista dissemina sua cultura do poder, onde ter é mais importante do que ser ou, em outras palavras, a capacidade de possuir substitui a incapacidade de sentir.
Isso explica muito do que há por trás da competição e constante luta por maior poder financeiro. É essa insatisfação que mantém todos sempre querendo ficar mais ricos, ter poder de compra, explica o consumismo que assola populações, resultando no consumo do planeta.
Finalmente, essa é uma das explicações para o envolvimento dos homens com guerras. A guerra é obra dos homens, generais e soldados – comando e execução. Historicamente e ainda hoje, “guerra” é sinônimo de homem matando homem e estuprando mulheres. O que é isso? Como se explica vindo de seres ditos humanos? Como pode se perder a humanidade a tal ponto? Mesmo onde não há guerra oficial, há guerra urbana, extraoficial. Essa guerra também é comandada e executada por homens. Que papel é esse, homem? Por que estamos gastando tanta energia com isso? O que estamos construindo? Estamos construindo? Ou simplesmente compensando a falta de potência? – O cultivo do ódio compensando a falta de capacidade de amar.